
“Escuta, boêmio de São José, o Bloco das Ilusões já chegou! Trazendo em seus violões as canções que nunca mais ninguém cantou”. Os versos do clássico frevo de bloco “Escuta Boêmio”, de Getúlio Cavalcanti, traduzem com perfeição o sentimento com que foi criado, há 40 anos, o Bloco das Ilusões. Partiu de corações nostálgicos, apaixonados pelo lirismo e pela beleza dos tradicionais blocos líricos que desfilam pelas ruas do Centro do Recife, nos dias de momo, a ideia de se criar uma agremiação que chegou não para ser mais uma entre tantas, mas com uma beleza e uma característica ímpar: a de mostrar que o carnaval nada mais é do que uma ilusão. Uma bela ilusão, diga-se de passagem.
Tudo começou lá em 15 de março de 1985, quando a saudosa Dona Caminha – esposa de seu Enéas, fundador e então presidente do Galo da Madrugada, bloco que já era famoso e em crescimento “assustador” naquela época – resolveu, juntamente com a amiga Alena Macena, criar um bloco inspirado na beleza que as duas foliãs já viam, encantadas, desfilar pelas ruas do Bairro de São José. “Elas assistiam os blocos líricos passarem pela Rua do Jardim e adjacências, entre eles, o Bloco da Saudade, com toda aquela beleza que eles mantêm até hoje. Foi aí que resolveram também fazer sua própria agremiação para brincar com as amigas”, lembra Ana Nery Meneses, filha do casal Carminha / Enéas e atual presidente do Bloco das Ilusões.
É bem verdade que, unindo-se ao sonho das duas amigas, também havia a necessidade das então esposas dos diretores do Galo em terem seu próprio momento de folia no carnaval. Tudo convergia para a criação de uma agremiação que marcaria para sempre a história do carnaval de rua do Recife. “Essa questão da inspiração da minha mãe sempre foi algo interior e eu acredito que as esposas dos diretores, que ficavam aguardando que os maridos voltassem da rua, quando o Galo recolhesse, também incentivou para que ela concretizasse um sonho antiga dela e de Alena”, concorda Ana.
O nome Bloco das Ilusões foi uma escolha democrática, entre os integrantes, e quase que unânime, segundo quem estava presente na reunião de criação do grupo. “Mamãe, democrata como sempre foi, colocou vários nomes para votação. Já naquele momento da escolha, criei a música ‘Bloco das Ilusões nº 1”, lembra o cantor e compositor Gustavo Travassos, filho caçula da fundadora.
Outro que viu de perto a criação do Bloco das Ilusões foi o compositor Getúlio Cavalcanti, que já compôs nada menos que cinco músicas para a agremiação. “É um bloco especial, primeiro porque foi criado par fechar o carnaval do Recife na terça-feira, já que o Galo abria, no sábado. Com o tempo, cresceu e achou-se por bem fazer outros eventos, mas a beleza dele está, entre outras características, na forma como foi criado e eu tive a honra de estar presente na inauguração”, orgulha-se Getúlio.
PARA TODOS OS PÚBLICOS E O ANO TODO!
Além da proposta de reviver os saudosos carnavais com um toque especial de romantismo e melancolia, o Bloco das Ilusões trouxe consigo também o objetivo de unir foliãs de todas as idades, todas num mesmo espírito de paixão pelo carnaval. “Trouxemos esse incentivo para que as mulheres que já não eram tão jovens tivessem também a oportunidade de brincar, inclusive, com as mais novas. Primamos muito por isso até hoje, todos são bem vindos, da criança ao idoso”, acrescenta Ana Nery.
Além de unir desfilantes de todas as idades, o Bloco das Ilusões – embora, claro, seja composto, em sua grande maioria, por mulheres – foi conquistando, ao longo do tempo também o interesse dos foliões do sexo masculino. Hoje, a agremiação conta com 58 mulheres e 16 homens, além de orquestra com 22 músicos e seis cantoras. “Sabemos que o bloco lírico, por natureza, é caracterizado por componentes mulheres, mas também podemos observar que os homens, com o passar dos anos, deixaram apenas de ser meros acompanhantes nos desfiles e começaram também a se fantasiar e aderir ao grupo”, admite Francisco Câmara, vice-presidente e carnavalesco do bloco.
Ao longo dessas quatro décadas de existência, a agremiação também ultrapassou os limites sazonais e, hoje, não é apenas um bloco que se apresenta apenas no carnaval. Além de se apresentar, tradicionalmente, na segunda e na terça-feira do carnaval – e realizar, nos meses que antecedem o carnaval, seus Acertos de Marcha, na sede do Galo da Madrugada -, o Bloco das Ilusões, também se faz presente em diversos outros eventos e festividades ao longo do ano. “Podemos dizer, hoje, que somos atemporais. Com o passar dos anos, fomos criando esse movimento de nos fazermos presentes, por exemplo, em bodas, aniversários, o que, inclusive, aumenta o número de pessoas adeptas, seja pra sair conosco ou mesmo nos acompanhando nas apresentações. Tenho certeza que, no que depender da alegria e dedicação que o grupo do bloco tem, desfilaríamos os 365 dias do ano”, brinca Ana Nery.
A tradicional Festa da Vitória Régia, por exemplo, está entre os eventos em que o Bloco das Ilusões se faz presente. Este ano, a agremiação compôs, pela terceira vez, a programação da festividade. “Marcamos presença em vários outros eventos, ligados ou não ao Galo. Isso ocorre todos os anos, órgãos privados ou ligados ao poder público cada vez mais têm nos convidado para se apresentar em suas festividades. Já estivemos em clínicas geriátricas, escolas, projetos do Paço do Frevo, encontros de blocos líricos como Aurora dos Carnavais e Arrastão do Frevo, entre outros”, acrescenta Francisco. Municípios pernambucanos como Caruaru, Gravatá e Garanhuns também já foram agraciados com as apresentações do bloco.
REPERTÓRIO E COMPOSITORES
Como toda agremiação lírica, o Bloco das Ilusões traz em seu repertório alguns dos principais frevos de bloco do extenso acervo de obras de compositores pernambucanos. Canções que embalam, encantam, emocionam e agregam ainda mais beleza aos seus desfiles e ensaios. Porém, a agremiação também orgulha-se em possuir músicas compostas, especialmente, para o grupo. Desde que fundado, estima-se que já tenham sido feitas cerca de 20 obras musicais dos mais diversos mestres do nosso frevo.
“Além da primeira música, também compus outras duas para o bloco; Getúlio fez quatro; Fernando Azevedo, acredito que mais quatro; Capiba, uma… mas acredito que a mais encantadora de todas foi de Heleno Ramalho, chamada ‘Flabelo das Ilusões’, na qual ele coloca que até o Rio Capibaribe parou de correr pra ver o flabelo das Ilusões e isso virou o nosso hino”, admite Gustavo.
FLABELO E FANTASIAS
Quando se fala em beleza estética, não se pode deixar de mencionar o flabelo do Bloco das Ilusões. Criação do cantor e fundador Gustavo Travassos, o adereço símbolo maior da agremiação traz consigo todo significado e proposta da agremiação, unindo o belo aos sentimentos mais profundos do folião por detrás da fantasia. “Representa a noite, os amores, a ilusão do amor, a ilusão do carnaval e da fantasia. Considero como o flabelo com a maior representatividade de todos os blocos líricos que a gente tem no carnaval do Recife”, afirma Travassos.
A peça, com predominância das cores azul e branco, traz consigo uma lua, representando as emoções, com um pierrô chorando e com um banjo na mão, em referência aos instrumentos de pau e corda – característicos dos blocos líricos. “Tem, também, na ponta um lampião, que era o que iluminava os trajetos dos blocos quando ainda não havia luz elétrica”, acrescenta Gustavo.
Outro grande destaque da agremiação e que o faz se superar, a cada ano, são as fantasias dos integrantes. Sempre buscando inovar e surpreender os foliões, os temas das indumentárias – guardados, sempre a sete chaves, até o carnaval – não só buscam homenagear elementos da cultura pernambucana como já “viajou” por diversas civilizações e costumes fora do Brasil. “Já fizemos dançarinas tailandesas, casamento Hindu, damas e cavaleiros medievais, entre outros. Em 2019, fizemos ainda uma menção à cultura da Mongólia”, cita Francisco.









“Sempre a gente vai lá no exterior e volta pro Recife, fazendo de novo nossos palhaços, colombinas e pierrôs”, brinca o carnavalesco, citando como exemplo o carnaval de 2018, quando, em homenagem aos 40 anos do Galo da Madrugada, fantasiou os integrantes com as cores do frevo – vermelho, amarelo, azul e verde -, com direito a sombrinha de frevo e brasões que contavam um pouco da história do maior bloco do mundo.

Câmara também não esconde a satisfação em ver, todos os anos, a aprovação do público quanto às suas criações. “A gente sempre busca desenvolver um tema e coloca-lo na fantasia de modo a fazer ainda melhor que o ano anterior. E, como todo carnavalesco, buscamos dar o nosso melhor e sente uma emoção de dever cumprido ao ver o público respondendo quando se emociona, quando aplaude, quando canta junto, quando vai atrás do bloco. Ele tá, implicitamente, me dando essa resposta, de que meu objetivo foi alcançado”, conta.

Sobre as fantasias, a presidente do Bloco das Ilusões destaca outra característica que torna, segundo ela, a agremiação especial. “Nós temos um diferencial. Não estou dizendo, com isso, que seja melhor ou pior, mas não temos uma cor preestabelecida no bloco. Elas variam em função dos temas que escolhemos”, explica. E, por falar em cores, o Bloco das Ilusões provocou uma verdadeira revolução nas ruas do Centro do Recife no carnaval em que desfilou todo em preto e branco. “Viramos a chave quando fizemos o ‘Jogo de Xadrez’. Foi muito bonito, animado e também inovador. Também recebemos críticas, na época, de alguns que diziam que o carnaval do Recife não era preto e branco, mas isso não diminuiu o sucesso que foi naquele ano”, recorda Câmara.
Outros temas, sempre inovadores, já foram inspiração para as fantasias do Bloco das Ilusões ao longo de seus 40 anos: Bumba-meu-boi do Maranhão, Barroco, Esmeraldas de Minas Gerais, Rio Capibaribe, entre outros.








